Por quatro anos, o pesquisador e jornalista baiano Tedson da Silva Souza frequentou dezenas de banheiros públicos de Salvador para observar o comportamento de homens que se relacionavam sexualmente com outros homens nesses espaços. Como resultado da sua pesquisa, desenvolveu a dissertação de mestrado “Fazer banheirão: as dinâmicas das interações homoeróticas nos sanitários públicos da estação da Lapa e Adjacências”, que lhe rendeu o título de mestre em antropologia pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). A defesa foi em 2012, mas, recentemente, o vlogger Izzy Nobre – que tem mais de 250 mil  seguidores nas redes sociais – acusou o pesquisador de ter usado ‘o dinheiro público para financiar seus desejos sexuais’.
Na opinião do vloger seria um absurdo bancar um hobby de chupar pirocas em banheiro público com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) . Izzy escreveu isso referindo-se ao fato de Tedson ter sido bolsista durante o período do mestrado.
A polêmica foi tão grande que entidades educacionais de antropologia e grupos de estudos de sexualidade divulgaram notas de apoio ao pesquisador, como UFBA, UFPB e UFRB. “Por meio de observações in loco, realização de entrevistas e seguindo orientações teórico-metodológicas de correntes da antropologia, a dissertação se propõe a pensar as variáveis de homossexualidade, raça e gênero articuladamente. Nesse sentido, a dissertação apresenta contribuições relevantes à linha de pesquisa sobre gênero e sexualidades (…) Manifestamos repúdio aos ataques homofóbicos, virtuais e presenciais, sofridos por Tedson desde a divulgação dos vídeos do vlogger Izzy Nobre”, escreveu o  Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) da Ufba.
Em conversa com o Me Salte, Tedson explicou que o tipo de pesquisa que ele fez “ chamada auto-etnografia “ tem forte expressividade nos estudos antropológicos. A crítica é normal. O problema é que ele errou no momento em que ele agrediu a minha integridade, a minha honra, com palavras de baixo calão. Eu espero que ele pague por esse erro, destacou Tedson que teve o projeto orientado pelo professor Edward MacRae, e avaliado por Júlio de Assis Simões e Robério Marcelo Rodrigues Ribeiro, pesquisadores e docentes de renome na antropologia.
O pesquisador argumenta que a pegação em banheiros acompanha sua sexualidade desde jovem e por esse motivo resolveu fazer esse trabalho como forma de desmarginalizar esse tipo de comportamento. Não seria justo que eu, adepto da pegação, escrevesse um texto em terceira pessoa. Eu tinha que escrever para dar o ponto de vista de me colocar no lugar de quem é colocado na marginalidade. É preciso falar de sexualidade sem tratá-la como uma patologia, informou Tedson ressaltando que durante os trabalhos de observação e pesquisa teve algumas interações homoeróticas nos banheiros.
No banheiro da estação da Lapa, onde concentrou sua pesquisa, Tedson conta que observou diversos comportamentos sexuais. Vi muitos homens fazendo pegação “ termo usado para classificar a interação nos banheiros “ por lá. Muitos desses homens tinham práticas homoeróticas, mas não necessariamente tinham identificação enquanto homossexuais. Â Inclusive, encontrei tipos como os heterossexuais passivos, que permitiam serem penetrados por outros homens.
O banheiro, segundo a pesquisa de Tedson, é considerado o pior lugar de engate sexual pela tensão, fetiche, segurança e condições físicas. Ele destaca que a interações acontecem em diversos banheiros da cidade. Fiz um mapeamento imenso de pegações em banheiros até em igrejas evangélicas. Em alguns lugares, a violência dos seguranças era forte. No Centro comercial de Paripe, por exemplo, os seguranças entravam com a arma em punho para flagrar as interações. Encontrei vários homens de vários tipos que tinham as interações nos banheiros por vários motivos: busca pelo perfil do ˜homem de verdade™, que fosse másculo e viril; ser anônimo em meio ao público e o desejo associado ao medo e a excitação pelo risco, destaca.
Ciência e sexualidade
Tedson explica que seu trabalho foi referenciado com outros projetos de antropólogos famosos por pesquisas de sexualidade auto-etongráficas como o americano, Laud Humphreys , que em 1978 publicou livro sobre sua pesquisa de homens que faziam sexo com outros homens em banheiros públicos nos EUA.
Na época, a pesquisa dele foi um escândalo. Isso custou a ele ser banido da antropologia por muitos anos. Só no final dos anos 90 que os antropólogos perceberam a importância do trabalho feito por ele, explica Tedson que começou seu trabalho de pesquisa, em 2008, quando produziu uma série de reportagens de rádio sobre interações homoeróticas para seu trabalho de conclusão de curso de jornalismo.
Resultados
Apesar das críticas, Tedson acredita que seu trabalho pode auxiliar na mudança de pensamento de que as pesquisas de sexualidade só servem, de acordo com ele, para tratar de questões ligadas ao HIV, por exemplo. Eu acho que o meu mapeamento vai servir como fonte para implementar políticas públicas para esse público (chamado nos estudos de saúde como HSH “ homens que fazem sexo com homens), que é muito diferente e distanciado do público LGBT. Esse público está descolado de políticas públicas pois não tem abordagens efetivas de sensibilização para esse público, destaca Tedson.
Atualmente, o pesquisador está desenvolvendo uma tese de doutorado, também em antropologia pela Ufba, nomeada “Ela dá pra nós que nois é patrão: raça, masculinidade e drogas no pagode baiano”.