Antes que perguntem onde estão as estatísticas, vamos começar pela Bahia. Só de janeiro a junho de 2017, foram feitas 1.491 denúncias de estupro em delegacias do estado. E essas são só as registradas – porque, estima-se, somente 10% dos casos de violência sexual chegam, de fato, até a polícia. Em Salvador, em seis meses, foram 233 casos, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública da Bahia. Faço questão de mostrar os casos de estupro porque, muitas vezes, é onde terminam os assédios – ou nem terminam.
É bom lembrar que esses são ‘só’ os estupros: não estão inclusos aí aquele fiu-fiu na rua, aquele ‘gostosa’, ou ‘delícia’, nem aquela ajeitada na calça cada vez que você sai na rua de short, de saia ou com uma calça de academia. Também não estão aí os 50 feminicídios aqui no estado no ano passado. Os números do Brasil são mais assustadores ainda – segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2017, o Brasil teve 49.497 estupros em 2016, ano em que a Bahia registrou 2.709 casos.
Acha pouco? É só no Brasil. Não é nos Estados Unidos, onde, segundo Danuza Leão, “eles não têm noção de sexo”.
Parece, então, que por aqui no Brasil as pessoas têm muita noção de sexo, mesmo. E, diante de defesa tão ferrenha, chego até a pensar se, por um acaso, não está todo mundo vivendo um surto coletivo onde assediadores são anjos de luz enviados à terra com a dura missão de não deixar que moças voltem para casa sozinhas.
Ou, pior, para toda mulher possa ter a honra de “ser assediada três vezes por semana para ser feliz”. Para não perder as aspas finais de Danuza Leão, “Viva os homens”.
Queria lembrar que, para ser assediada neste mundo em que nós vivemos, não precisa de nada. Nem de usar vestido preto ou vermelho, pintar a unha, caprichar no batom, usar mini-saia. Basta ser mulher. Sequer precisa ter passado dos 18 anos, porque as ‘novinhas’ viraram um fetiche bizarro e criminoso nas mãos de abusadores.
Não preisa ser lésbica, mas, nestes casos, parece que os abusadores encontram até justificativa: cura (!). Li hoje o relato de uma mulher que, por escrever histórias para lésbicas, foi assediada dentro de uma universidade pública em Salvador por outro aluno, que lhe disse que ia fazer dela “mulher de verdade”.
Que mundo é esse onde pessoas – não, pior, mulheres – com poder de influenciar outras vão a público defender abusadores e, mais grave ainda, defender o assédio? Sim, o texto de Danuza Leão é uma defesa explícita ao assédio e não consigo enxergar uma única linha que aponte outro tom naquela publicação. Se, em 2017, ainda precisamos nos deparar com algo assim, estamos, de fato, em um funeral.
Ainda bem que a caravana passa. Mas abusadores, assediadores e seus defensores não passarão.