Itaberly Lozano era alegre, vaidoso e amava a família. Mas ele foi morto com facadas pelas mãos da própria mãe. Edivaldo Silva de Oliveira, o Nino, e Jeovan Bandeira, eram amigos e queridos pela população da cidade de Santa Luz, no interior da Bahia. Mas foram mortos e tiveram os corpos carbonizados por assaltantes. A travesti Sheila Santos, adorava sambar e era a felicidade na Gamboa, em Salvador. Mas foi assassinada com um tiro na cabeça no meio da rua. Itaberly, Nino, Jeovan e Sheila compõem uma triste estatística que mancha de sangue as cores do arco-íris que são símbolo da população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais).
Dados divulgados nesta segunda-feira (23)Â pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) mostram que o ano de 2016 foi o mais violento desde 1970 contra pessoas LGBTs. Foram registradas 343 mortes, entre janeiro de dezembro do ano passado. Ou seja, a cada 25 horas um LGBT foi assassinado, o que faz do Brasil o campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais. A Bahia ocupa a segunda posição dentre os estados com 32 mortes ficando atrás apenas de São Paulo (49 casos).
Matam-se mais homossexuais aqui do que nos 13 países do Oriente e à frica onde há pena de morte contra os LGBT. Tais números alarmantes são apenas a ponta de um iceberg de violência e sangue, pois não havendo estatísticas governamentais sobre crimes de ódio, tais números são sempre subnotificados já que nosso banco de dados se baseia em notícias publicadas na mídia, internet e informações pessoais, explica Mott.
Dos 343 assassinatos registrados em 2016, 173 das vítimas eram homens gays (50%), 144 (42%) trans (travestis e transexuais), 10 lésbicas (3%), 4 bissexuais (1%), incluindo na lista também 12 heterossexuais, como os amantes de transexuais (T-lovers), além de parentes ou conhecidos de LGBT que foram assassinados por algum envolvimento com a vítima como foi o caso do vendedor Luís Carlos Ruas, 54 anos, que foi morto ao defender travestis no metrô de São Paulo.
VIOLÊNCIA E DOR
Ano passado, os estados que tiveram o maior número de LGBT assassinatos em termos absolutos foram São Paulo com 49 homicídios, Bahia, 32, Rio de Janeiro, 30 e Amazonas, 28. Meu irmão era uma pessoa muito querida na cidade onde vivia. Era respeitado e amado, mas foi morto com requintes de crueldade, relata Sival Lima, irmão de Jeovan, professor morto na cidade de Santa Luz, na Bahia, em junho de 2016.
O único estado do Brasil que não registrou casos de morte por LGBTfobia foi Roraima que em 2014 liderou a lista, com 6,14 LGBT assassinados para 1 milhão de habitantes. Essa é, aliás, uma característica desses crimes de ódio: sua variação e imprevisibilidade. Num mesmo estado num ano predominam mortes de travestis, no outro de gays, no ano seguinte, o contrário, argumenta o analista de sistemas, Eduardo Michels, responsável pela atualização do banco de dados.
CRIMES EM ALTA
Michels projeta que, em 2017, a realidade não deve ser muito diferente em função da evolução histórica do levantamento de dados. Entre 1970 e 2016, o GGB contabilizou 6882 mortes de LGBTs em todo Brasil. Infelizmente, a única previsão recorrente é que nesse ano atual serão assassinados mais de 300 LGBTs, afirma.
A perspectiva entristece a coordenadora do coletivo Famílias pela Diversidade, Inês Silva, que reúne famílias LGBTs em vários estados do Brasil na luta pelo respeito à diversidade. Há uma crescente de morte em função do momento que vivemos de disseminação de ódio. A ignorância que gera o preconceito, que gera os assassinatos. Por isso pedimos a criminalização da LGBTfobia para que se tenham estatísticas e políticas públicas de proteção. Parem de matar os nossos filhos e filhas, destaca Inês.
Para o coordenador da comissão de diversidade sexual da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado da Bahia, Filipe Garbelotto, os números refletem uma carência de políticas públicas que combata a discriminação e consequentemente reduzam o preconceito. Não há, pelas leis atuais do Brasil, um aparato que criminalize a LGBTfobia. A polícia ainda deixa a desejar na apuração de casos de discriminação e violência contra a população LGBT. Isso pode ser um elemento que contribui para o aumento desses casos, explica o advogado.
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