Por Daniela Portugal*

A criminalização da LGBTfobia, por um lado, parte da visibilização da violência sofrida por todas as pessoas que não se enquadram na cis-heteronormativodade culturalmente construída e socialmente imposta. A criminalização atenta para a frequente violação de direitos sofridos cotidianamente por gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e quem mais não se enquadre na norma social imposta.

Estamos aqui diante de uma população vulnerada pelo não reconhecimento, por parte do Estado, da necessidade de uma proteção especial. Por outro lado, a criminalização por meio de prática ativista judicial também representa a violação de garantias fundamentais relacionadas à interpretação das normas penais, que tradicionalmente obedecem à legalidade estrita e que, portanto, só poderiam partir do Legislativo.

Percebemos, então, que qualquer escolha, seja pela criminalização, seja pela não criminalização, trará o sacrifício de alguns direitos e garantias. Daí a necessidade de um cuidadoso exercício de ponderação para que se avalie o caminho a ser adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Atualmente, não temos uma lei penal específica que verse sobre a proteção da comunidade LGBT, ou que verse sobre as violências tipicamente sofridas por essas pessoas. O problema é que, ao lado disso, não temos no nosso legislativo um ambiente que se mostre acolhedor para esse tipo de demanda. Retrocedemos muito nesse contexto recente, em que o discurso de ódio tem ganhado mais espaço mesmo nos ambientes institucionais

No julgamento do caso Ellwanger, em 2004, o STF já havia afirmado a inexistência de subdivisões biológicas na espécie humana, de maneira que o conceito de “racismo”, interpretado teleologicamente, estaria relacionado à utilização de estigmas voltados para a discriminação e para o preconceito segregacionista. Com esse entendimento, o Supremo decidiu que a distribuição de material anti-semita representava forma de racismo.

No julgamento relativo à criminalização da homofobia e da transfobia, pretende-se a utilização de raciocínio semelhante, a fim de equiparar tais práticas ao crime de racismo dada a omissão legislativa no tratamento da matéria. Isso significa que, caso o Supremo entenda pela equiparação, tais práticas passarão a ser processadas por meio de ação penal pública, e poderão ser consideradas inafiançáveis e imprescritíveis.

A maioria dos ministros do STF já se posicionou de maneira favorável à equiparação da homofobia e da transfobia ao racismo, porém o julgamento ainda não foi concluído. Isso porque há outras questões que precisaram ser enfrentadas a partir daí, a exemplo da modulação dos efeitos dessa decisão, no sentido de avaliar se ela se aplicará somente a fatos ocorridos após o novo entendimento, ou se chegará a atingir fatos passados. Vale lembrar que, quanto às leis penais, a Constituição impede que uma lei penal alcance fatos passados no sentido de criminalizá-los.

Caso haja uma aprovação de lei relativa à matéria antes da retomada final do julgamento, entendo que poderá haver perda de objeto com relação às ações em curso. Isso porque o pedido de criminalização pela via de equiparação ao racismo está fundamentado justamente na existência de uma injusta omissão legislativa. Suprida a omissão, em princípio perde o sentido para o Tribunal criminalizar o que já está criminalizado de maneira expressa e específica.

*Advogada criminalista é professora de Direito Penal, da Faculdade Baiana de Direito e doutora em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia

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27 de maio de 2019

O que muda com a criminalização da LGBTfobia? Advogada responde

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