Quando estava encerrando sua graduação em Odontologia, o então estudante Filipe da Silva Cerqueira, 23 anos, decidiu que queria fazer um projeto de conclusão de curso que pudesse ajudar as pessoas da comunidade LGBTQIA+. Motivado pelo primeiro contato com uma pessoa trans no atendimento de saúde,  que relatou a dificuldade do acesso ao serviço pelo preconceito, ele decidiu fazer algo que pudesse mudar aquela realidade. A paciente chegou com a mão na boca. Tinha vergonha de mostrar o sorriso e estava com a saúde bucal afetada. Filipe pensou então em como devolver o riso para pessoas como aquela paciente que o sensibilizou.

Diante disso, Filipe iniciou a pesquisa – que é inédita no âmbito nacional – sobre as as alterações bucais associadas à hormonioterapia em pessoas travestis e transgêneros. Em parceria com o Centro Municipal de Referência LGBT, em Salvador, Filipe fez palestras e ofereceu tratamento para essas pessoas com o objetivo de avaliar as interferências do processo de hormonização na saúde da boca.

“Na época da minha graduação eu dei início no meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com o tema  onde eu avaliei o que os hormônios causam na cavidade oral das pacientes. O foco do trabalho é nas pessoas trans que fazem o uso do hormônio. Eu dava palestra, fazia uma avaliação das pacientes e encaminhava para fazermos o tratamento na faculdade [ Faculdade de Tecnologia e Ciências – FTC]. Realizamos vários procedimentos desde limpeza à cirurgias orais”, explica Filipe que começou a pesquisa com 28 pacientes e encerrou com 7 pacientes assistidas.

Pacientes assistidas pelo projeto eram todas mulheres trans ou travestis Foto: Acervo Pessoal

Pacientes assistidas pelo projeto eram todas mulheres trans ou travestis
Foto: Acervo Pessoal

O cirurgião-dentista, que contou com orientação da Professora Doutora Danielle Coelho Dourado, identificou que o uso de hormônios por pessoas trans e travestis provocam alterações significativas na cavidade bucal especialmente quando são feitas sem a orientação de médicos endocrinologistas.

“As alterações mais significativas que encontramos foram a gengivite e a doença periodontal pois os hormônios agem especialmente na gengiva. Muitas vezes essas pessoas, pela dificuldade de acesso e o preconceito, fazem o uso dos hormônios sem o acompanhamento especializado. Além disso, há fatores socioeconômicos que dificultam o acesso aos serviços odontológicos além do preço também dos procedimentos”, argumenta Filipe.

No seu processo de pesquisa Filipe identificou que todas pacientes relaram que por serem trans já haviam sido impedidas de fazerem tratamentos em outros lugares. Agora, Filipe, que se formou nesse semestre e concluiu essa etapa do projeto, busca apoio para que a pesquisa e os atendimentos continuem.

Filipe formou-se pela FTC Foto: Acervo Pessoal

Filipe formou-se pela FTC
Foto: Acervo Pessoal

“O cirurgião-dentista precisa está no processo de hormonioterapia. A saúde bucal não pode ser negligenciada em nenhum momento da hormonioterapia. Esse trabalho ainda precisa de mais tempo de pesquisa para continuar avaliando outros aspectos. Desejo que meu projeto seja mais visto e que tenha apoio mais facilitado para que eu consiga levar esse cuidado para mais pessoas trans e travestis. Seja nos postos de saúde, seja nas unidades móveis. De alguma forma, o serviço público tem que olhar por isso”, conta Filipe que publicará nos próximos dias os resultados do trabalho em uma revista científica e está captando recursos para que o projeto tenha continuidade.

Na semana passada, o trabalho de Filipe recebeu o primeiro reconhecimento público. Ele foi homenageado na Câmara de Vereadores de Salvador em sessão especial pelo dia do Orgulho LGBTQIA+.

Filipe foi homenageado em sessão especial promovida pelo vereador Marcos Mendes Foto: Adeloyá Magnoni

Filipe foi homenageado em sessão especial promovida pelo vereador Marcos Mendes
Foto: Adeloyá Magnoni

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