Cézar Sant’Anna tem 29 anos e uma história que, para muita gente, pode soar com estranheza. Há 11 anos ele deu a luz à sua própria filha – Fernanda. Transexual, Cézar pontua que o ‘estranho’ vem do desconhecimento das pessoas sobre a transexualidade e mais do que isso sobre o amor de pai para filha. Explico: Cézar foi identificado ao nascer como pertencente ao gênero feminino, mas se identifica como do gênero masculino.

A história do estudante de Direito e trabalhador autônomo, que atualmente vive em São Paulo, ganhou visibilidade na internet nas últimas semanas depois que Cézar topou participar de um vídeo do Grupo Gay da Bahia – desenvolvido pela agência Propeg – para mostrar que homens transexuais podem gerar seus próprios filhos se assim for da sua vontade em alusão ao Dia dos Pais, comemorado neste domingo (13).

 

No vídeo, Cézar contracena com um ator mirim. Na vida real ele tem sua filha Fernanda como inspiração e companhia diária. Em conversa com o Me Salte, por telefone, ele explica que decidiu contar sua história para que as pessoas entendam que foi possível realizar seu sonho de gerar uma criança.

“Podemos sim ter um filho biológico independente de ser transexual. Decidi gravar o vídeo para mostrar para as pessoas que é absolutamente normal. Existe sempre um receio de como a sociedade vai lidar com isso, mas é importante informar”, argumenta.

Cézar deu a luz à Fernanda em 2006 e ele só inciou a transição de gênero em 2015. “Eu não tinha conhecimento que era um homem transexual.Eu vivia sem referência no mundo. Na época que eu gerei a Fernanda eu não sabia. Eu vivia achando que era uma pessoa cisgênera ( aquela que se identifica com o gênero que lhe foi atribuído ao nascimento). Eu tentei por muito tempo levar uma vida cisgênera e heterossexual”.

Companheirismo é a marca de pai e filha Foto: Acervo Pessoal cedida exclusivamente ao Me Salte

Companheirismo é a marca de pai e filha
Foto: Acervo Pessoal cedida exclusivamente ao Me Salte

Mas, Cézar não vivia em paz dessa forma. “Depois que minha filha naceu eu acabei me relacionando com mulheres. Eu achava que era lésbica, mas todas as vezes que ouvia essa palavra eu me incomodava. Eu não era isso. Em meados de 2015 eu vi o caso do Thammy Gretchen (filho da cantora Gretchen que começou sua transição de gênero em 2015) e me identifiquei com aquela realidade. Passei a pesquisar, buscar literatura e me achei”.

A criança é capaz de entender o que você é capaz de explicar

A hora de contar para Fernanda
O amor por Fernanda norteia a vida de Cézar. Ele só teve forças para decidir iniciar o processo de hormonização para adequar seu corpo ao gênero masculino depois que sua filha lhe liberou.

“Quando eu falei a minha filha sobre mim ela entendeu. A educação que dei a ela desde pequena foi muito ampla e falando sempre de diversidade. Ela foi a pessoa que menos me deu trabalho. Mas ela era coisa que mais me preocupava. Eu só comecei o tratamento depois que conversei muito com minha filha. Ela me encorajou a fazer a transição. Uma dia ela me disse: ‘você pensa muito em mim e faz tudo para me ver feliz, mas eu quero ver você feliz’. Nesse momento eu decidi”, emociona-se Cézar que viveu com a filha na primeira infância em Curitiba, no Paraná.

Fer com 10 anos - 2

“Minha filha tem os problemas normais de qualquer criança sem relação com a minha transexualidade Vivemos felizes e em paz”. Foto: Acervo Pessoal cedida exclusivamente ao Me Salte

Pai apaixonado, Cézar precisa – obviamente – driblar certos preconceitos. Na escola de Fernanda, ele conta que já no primeiro dia de aula contou para a professora dela para evitar quaisquer transtornos. “O preconceito muitas vezes não é das crianças. As negativas muitas vezes vêm dos pais. Mas eu tenho que ter uma delicadeza para lidar com isso. É um passinho de cada vez”, ressalta.

Eu quero encorajar outros homens trans mesmo aqueles que já estão com o processo de transição mais avançado. Não precisa deixar de viver o sonho da paternidade por conta da transição

Questionado sobre como a filha lida com sua transexualidade, Cézar é enfático em destacar que a condução de Fernanda é a melhor possível. “A criança é capaz de entender o que você é capaz de explicar. Depois da transição o meu relacionamento com ela mudou para melhor. Eu me tornei uma pessoa mais feliz e isso refletiu nela”.

A naturalidade com que Fernanda lida com a transexualidade do pai empodera Cézar diariamente. “Saber que tua filha não te enxerga como algo estranho te empodera”, completa Cézar que até pensa em ampliar a família gerando outro filho mesmo com a transição de gênero bastante avançada.

Fernanda e Cézar já moraram em Curitiba e agora vivem em São Paulo Foto: Acervo Pessoal cedida exclusivamente ao Me Salte

Fernanda e Cézar já moraram em Curitiba e agora vivem em São Paulo
Foto: Acervo Pessoal cedida exclusivamente ao Me Salte

“Seria uma maravilha gerar outra criança. Um orgulho. Eu penso sim em ter outro filho, mas ter filho depende de muita coisa e não só da vontade. As gestação é uma sensação muito boa, mas também gera muitos conflitos”, pondera Cézar.

Exposição x preservação
Depois que o vídeo que Cézar gravou contando sua história passou a circular nas redes sociais aumentou o número de gente que o procurou para saber mais sobre sua vida. No vídeo, Cézar decidiu expor inclusive fotos e informações de antes da transição. Uma decisão muito difícil para pessoas trans.

“Evitar se expor é uma forma de defesa, mas eu decidi mostrar para poder explicar e informar. Muitas pessoas trans apagam as fotos e registros de antes da transição. É uma escolha de cada um. Eu prefiro mostrar dentro desse contexto pois o que não é falado tende a ser rejeitado. Dessa forma, é importante falar e comentar sobre o assunto. Não sou anormal por ser transexual”, finaliza Cézar que hoje comemora mais um dia dos pais feliz ao lado de Fernanda e em paz consigo.

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13 de agosto de 2017

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