Eles se acham desconstruídos. Falam aos quatro ventos que são defensores dos direitos humanos e que respeitam as mulheres. Usam camisas de líderes de revoluções socialistas e bebem cerveja no gargalo. No debate sempre vão fazer coro aos direitos femininos. Dizem que são a favor do aborto e até repetem a frase ‘meu corpo, minhas regras’. Mas, basta sua companheira botar uma ‘saia curta’ que ‘a coisa muda de figura’. Nessa hora, o desconstruidão vira o clássico macho alfa, machista e escroto.
Peço licença às mulheres para escrever esse texto, mas nos últimos tempos tenho observado de perto o comportamento dessas ‘espécies de homens’. A justificativa para a desordem mental de achar que são os donos das mulheres vem sempre disfarçada de proteção: ‘Eu não penso assim, mas os caras da rua pensam….Tô falando para o seu bem’, dizem.
Comecei a fazer um ‘Me Salte feat Globo Repórter’ e fui investigar o que esses seres de pouca luz pensam. Conversando com uma amiga hetero que está solteira, ela foi assertiva na identificação desses machos. “Tudo isso esconde a fragilidade do homem hetero. Por mais desconstruído que esse homem possa demonstrar se isso não é algo que ele pensa de verdade não adianta. Os comportamentos não conseguem sair do discurso e na prática vira tudo a mesma coisa”.
Presenciei, na semana retrasada, uma ação de um ‘esquerdomacho’ desses com ela. É assustador ver de perto algo que parece tão inalcançável. O boy – que foi encontrar com ela vestindo a camisa de Che Guevara – era o encanto em pessoa. Amava Chico Buarque, militava pelos movimentos sociais e defendia a Reforma Agrária. Aborto? ‘Totalmente a favor se for um desejo da mulher’, dizia. Sexo no primeiro encontro? ‘Claro, se a mulher quiser’, vociferou o boy na mesa do bar. E por aí foi…só argumentos sólidos de alguém com pensamento bem longe dos padrões conservadores.
Massssssssssssss não demorou muito para o castelo de areia cair! Toda desconstrução virou o clássico do macho alfa acéfalo que acha que pode ser o dono da mulher. Bastaram cinco encontros para ele mostrar as garras. Minha amiga botou um decote, saia acima do joelho, saltão e batom vermelho. Ouviu a frase: ‘você não acha de está um pouco exagerado? Eu não vejo problema, mas como vamos para um lugar com muito homem você pode se sentir constrangida”.
Eu estava do lado dela na hora que ela ouviu a frase. O príncipe virou um sapo fedorento e goguento. No primeiro momento, ela me olhou atônita. Afinal, havíamos conversado e achávamos que ele não era um ‘esquerdomacho’. Estava bem disfarçado, mas era. Obviamente que ela não trocou de roupa. Bateu boca, discutiu e fomos sozinhos para a festa. O crush dela caiu no limbo do esquecimento.
Um amigo carioca – que é hetero, mas não no padrão esquerdomacho – foi categórico: “Esses caras ficam assim, agem assim, mas não duram muito tempo. A mulher logo percebe que é fake news. Ou melhor: fake macho”.
Infelizmente nem todas têm a mesma sorte dessa minha primeira amiga. Outra amiga minha de longa data (dos tempos em que o Orkut ainda reinava na humanidade) encontrou seu atual marido justamente na famigerada rede social das comunidades. Pode até rir, mas eles se conheceram na comunidade ‘eu abaixo a tampa da privada’. Para ela, que vivia numa casa cheia de homens (pai e 4 irmãos), ter um boy que sabia o valor de baixar uma tampa era um oásis.
E não era só isso. Nos anos de namoro, ele sempre foi um primor. Companheiro para todos os momentos. Mas aí ela pariu e o cristal quebrou. No primeiro momento ela quis abortar. Estava insegura em ser mãe tão jovem e no começo da carreira. Mas ele era firme no apoio. Deixava claro que a decisão era dela, mas que se ela aceitasse manter a gestação poderiam criar uma família linda e feliz digna de um comercial de margarina. Assim aconteceu. A criança nasceu, mas a margarina nunca esteve na mesa.
O macho lindo e maravilhoso se mostrou um escroto. Da crítica ao fato dela amamentar em público ao descuido com a criação da criança tudo foi perdido. Passou a se colocar na posição de ‘dono da casa e dela’. O tempo que ela ficou em casa de licença maternidade foi o ápice do machismo dele que parece que ficou acumulado sendo maturado por uma década. A margarina derreteu de vez, a tampa do vaso passou a ficar levantada e o divórcio foi o destino.
Acha que acabou? Claro que não. No primeiro namorado que ela teve depois da separação, o calvário dela só foi intensificado. Não tenho nem coragem de escrever os termos que ele usou para ser referir a ela, mas ainda usando a máscara de desconstruidão: ‘Faça isso, mas faça escondido. O que vão pensar de você na rua?’.
Quando esses ‘esquerdomachos’ estão em bando esses comportamentos ganham ainda mais força. Fica ainda pior. É mais cruel. Parece que há uma contaminação rápida por um gás letal que priva os sentidos. Esses machos não conseguem ver uma mulher passar sem começar a agir como se estivessem num açougue. Começam a botar julgamentos na roupa, peito, bunda e afins…
Se são casados ou solteiros pouco importa. O que eles querem é julgar e objetificar a mulher. Não, não é flerte. É imbecilidade mesmo. O que dizer de um cara que viaja e diz que a mulher não reclamou porque ele deixou R$ 1 mil para ela comprar umas coisas e na volta ainda vai levar um ‘bom presente’. Chega dói na alma ouvir isso. O ser que falou isso ainda largou a clássica frase quando soube que eu era gay: ‘ah, não tenho nenhum preconceito. Tenho até vários amigos gays’. Obviamente que na primeira oportunidade que teve deu um show de homofobia…mas aí é prosa para outro texto.
Ah, esse comportamento não é exclusividade das relações heteronormativas. Tem muito gay que tem esse mesmo padrão de comportamento com seus parceiros. Sim, tem ‘esquerdomacho’ gay. A crueldade de comportamento segue a mesma linha de achar que é dono do outro. O conceito de ‘ser dono’ de alguém é muito complexo e passa por ações de repressão e violências verbais. Os homens gays que se colocam na função de provedor financeiro do relacionamento são os mais propensos a repetir esse comportamento que é mais evidente entre os heteros. Há ainda os que oprimem de forma agressiva as manas afeminadas. Tudo, obviamente, camuflado no discurso de ‘proteção’.
Um detalhe é importante nisso – para gays e heteros: proteção não é tarefa da pessoa que está com você. Se você se preocupa com a pessoa que está ao seu lado, você deve praticar a empatia e não tentar dizer o que ela deve ou não fazer com a própria vida.
Parece difícil? Talvez. Mas, como bem disse uma outra amiga, para tudo nessa vida tem jeito. Basta se tratar. Sim, buscar ajuda. Assumir sua personalidade, suas ações e refletir sobre as consequências dos seus atos.
Não se esconda atrás de máscaras do que você não é porque não tem fantasia que dure para sempre.
Se liga, fake macho!
*Ilustração: Morgana Miranda/CORREIO