A  primeira vez que pisei na Ilha de Boipeba,  localizada no município de Cairu na Bahia, senti um acolhimento fraternal. Menos de dois dias depois da minha chegada já estava andando descalço nas ruas de paralelepípedo ou de chão batido. Percebi o que havia algo diferente por lá. Um ambiente de respeito à diversidade. Do barqueiro aos donos de pousadas vivenciei uma experiência de turismo receptivo e que não estava interessado apenas no ‘pink money’.

Entre os dias 4 e 7 de setembro muitos outros turistas LGBTQIA+  terão a oportunidade de vivenciar o que passei em 2018 na ilha. Nesses dias acontecerá o Festival das Cores que terá, inclusive, a primeira edição da parada LGBTQI da ilha.

Por trás da parada está uma outra realidade: um grande número de comerciantes que são pessoas LGBTQI que estão à frente de negócios na ilha. A associação de comerciantes da Ilha não tem dados precisos das quantidades, mas há pessoas LGBTQI comandando pousadas, bares, restaurantes e até mesmo um teatro será aberto em breve.

O Me Salte conversou com alguns desses comerciantes. Veja suas histórias, se inspire e organize sua viagem:

Bar das Meninas 
Há seis anos o casal de comerciantes Merenilda Prazeres de Souza, 49, e Rebeca Elvira Trindade Santana, 37, sentia que faltava um lugar voltado para o público LGBT em Boipeba. Decidiram, então, criar o Bar das Meninas que é um dos principais points da diversidade na Ilha.

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“Aqui é muito respeito e conscientização. As pessoas que não são LGBTs respeita e a interação é muito boa”, destaca Rebeca. A comerciante destaca ainda que por conta da parada houve o diálogo comerciantes que não são LGBTs.

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“A gente fala que vai ser bom para ilha pois todos lucram com isso e eles respeita muito até mesmo os comerciantes mais conservadores”, conta Rebeca.

Livre de preconceitos
Há dois anos o designer de interiores Rafael Cândido, 32, montou a Pousada Paraíso em Boipeba. “O turismo LGBTQI+ vem crescendo em todo o mundo, e Boipeba recebe muitas pessoas desse público. Por isso, pensamos em uma pousada onde todos sejam bem recebidos e sintam-se bem. Temos bandeira arco-íris na recepção e no site, para que todos percebam que estão em um ambiente friendly, livre de preconceitos”, explica Rafael.

O empresário – que também é o atual presidente da associação de comerciantes da Ilha – destaca que no seu negócio faz questão de tratar todas as pessoas da mesma forma, com o mesmo carinho, agindo com naturalidade. “Tentamos mostrar aos hóspedes e aos nossos ajudantes que somos uma família como outra qualquer. A receptividade/integração dos clientes não LGBTs é sempre muito tranquila, pois percebem que estão em um ambiente repleto de liberdade e respeito”, diz.

Rafael comanda pousada Paraíso

Rafael comanda pousada Paraíso

Rafael ressalta que na ilha não há um movimento específico para atrair o público LGBT. ” Foi algo que aconteceu naturalmente. Já na nossa pousada, como forma de atrair esse nicho, fazemos postagens nas redes sociais usando hashtags específicas, como #gaytrip, #gayfriendly”, diz.

Para Rafael, Boipeba tem nos seus moradores um diferencial para atrair visitantes. “Aqui as pessoas são muito alegres e recebem muito bem as pessoas, independente da orientação. Esse é um grande diferencial de Boipeba. Outro ponto interessante é a tranquilidade da ilha, que atinge também o público LGBTQI+. Temos bares, restaurantes e pousadas friendly ou voltadas ao público, que assim como a ilha, oferecem ambientes tranquilos, de respeito e sempre frequentados por pessoas de todo tipo de orientação sexual”, afirma Rafael

Casa acolhedora
O casal Marcos Ferreira, 43, que é administrador de empresas, e Richard Blake, 39, que é empresário, há quatro anos comandam juntos a pousada Almaviva. Marcos revela que começaram a perceber nos últimos tempos um aumento na população LGBT da ilha o que favoreceu ao negócio. “Nós, na época, não nos mudamos pra cá pensando no público LGBT quando começamos a pousada. Começamos a perceber um número maior no nosso primeiro ano aqui. Isso foi em 2016. De lá pra cá o número do público LGBT aumentou bastante”, destaca.

Richard e Marcos

Richard e Marcos

Marcos comenta que há uma integração plena na ilha que cria um ambiente mais tranquilo aos LGBTs- fato raro nos tempos de hoje. “Respeitamos todos os lados, sem descriminação de política, religião, orientação sexual, etc. Nós não olhamos e julgamos diferenças. Em nossa casa e inclusive na ilha vemos uma integração muito bela. Existe um respeito mútuo do público LGBT com a população da ilha”, sintetiza Marcos destacando que nunca foi feito algo exclusivamente para o público LGBT. Mas, dá o recado aos viajantes: ‘Boipeba é uma ilha linda e o povo daqui é aberto à público LGBT sem descriminação. A ilha ainda está se desenvolvendo nessa área, então, é muito cedo pra especificar o que atrairia o público LGBT’

Pousada consciente
O microempresário Henrique Mariotto, 44 , tem a pousada Sossego há dois anos em Boipeba. Uma das marcas do seu negócio é falar sobre sua orientação sexual sem drama. “Nossa pousada estimula a conscientização ao deixar bem claro a minha postura como homem gay e falando sobre isso abertamente com os funcionários e com outros turistas que se hospedam aqui. Falar no assunto sem um tom dramático ou sério demais ajuda na fluência da conversa e permite que as pessoas façam perguntas que gostariam, mas que tinham receio de fazer”, pontua Mariotto.

Henrique orgulha-se de, até hoje, nunca ter tido problemas quanto à receptividade e integração por parte de hóspedes não-LGBTs. “Não tivemos, até hoje, nenhum problema , mesmo porque acredito que somos nós que damos o tom da casa. Isso quebra o gelo e facilita o convívio para todos”, diz.

Para ele, o principal diferencial de Boipeba para atrair o público LGBT é a forma tranquila e respeitosa com que a população local recebe os visitantes. “Como o acesso à ilha é mais difícil, a viagem requer disposição, tempo, o que se encaixa no perfil de turistas mais jovens em geral. Além disso, os nativos da ilha não demonstram comportamento homofóbico e são muito gentis com esse público”, sintetiza.

Toque latino
Desde dezembro de 2017, a ilha ganhou um espaço com um toque latino. Comandado pelos sócios Gilvan Reis do Nascimento, 31, e Francisco Trossero o espaço foi criado para atender um publico que não tinha opções na Ilha com um formato ‘alternativo’. “Como somos da comunidade LGBT, viramos referência para esse público e assim foi acontecendo”, ressalta Gilvan.

A diversidade é um dos eixos centrais do restaurante desde a questão estética, passando pela equipe (hoje há duas trans trabalhando), até a conversa no dia a dia com os clientes sempre pautando a diversidade, o respeito. “Com isso vamos sendo e se fortalecendo como um ambiente seguro para pessoas LGBTQIs”, destaca Gilvan.

Gilvan e Francisco Trossero, sócio do bar. Luma de Oliveira, 22, funcionaria aqui da ilha. E, na ponta direita, Samela Queiroz, 18, años, temporaria

Gilvan e Francisco Trossero, sócio do bar. Luma de Oliveira, 22, funcionaria aqui da ilha. E, na ponta direita, Samela Queiroz, 18, años, temporaria

Gilvan, que também é jornalista, pontua que Boipeba tem muitas opções de pousadas administradas por casais LGBTs, bares, uma comunidade que aceita e respeita o turismo de diversidade. “Esse turista pode desfrutar de uma ilha paradisíaca na Bahia sem ter medo da violência e dos perigos das grandes cidades. Acredito que esse é o maior trunfo”, opina o empresário.

O jornalista é um dos organizadores da parada deste ano e observa que há um diálogo com os comerciantes que não são LGBTs. “Os comerciantes se preocupam com a questão econômica sempre, especialmente, num lugar que vive de temporada. Então, a questão da Parada atrair pessoas pra uma época em que o turismo é mais escasso sempre soa bem. Mas, para além disso, a maioria da comunidade, já em parte acostumada com a diversidade que frequenta a Ilha, também faz questão de mostrar que está livre de preconceitos e apoiar um evento assim reflete essa postura coerente”, diz.

Novo negócio

O artista  Dan Medrado, 27, sempre sonhou em ter um teatro. Em Boipeba ele está prestes a realizar seu sonho. Ele está na ilha há quatro meses e agora já organiza a abertura do espaço. “Carrego esse desejo de abrir um teatro há muito tempo. Calhou de eu parar nessa ilha mágica e decidir fazer o projeto aqui. A ideia não é fazer um lugar voltado apenas para um público, sendo ele LGBTQI ou não. A proposta é ter um espaço onde todas as comunidades dialoguem entre si, coisa que já acontece aqui em Boipeba”, conta Dan.

Todxs são bem vindxs na ilha e na minha empresa. “Comigo trabalha uma mulher extremamente talentosa na cozinha, que calhou de ser trans (Gabriela, o nome dela). A ilha aceita bastante a comunidade LGBTQI. Somos todos integrados na sociedade e desempenhamos funções diversas no funcionamento dela. Nas ruas cumprimentamos e somos comprimentadxs por todxs sem distinção”, argumenta o artista.

A aceitação dos comerciantes não LGBTQI para realização de eventos como a parada não deixou Dan surpreso. “Já tinha consciência da aceitação da galera com a comunidade, mas sempre que o assunto parada vem à tona, vejo um grande movimento da galera, independente da orientação, que está animada para o evento.  Diferente do turismo tradicional, o que boipeba tem do bom e do melhor a oferecer, para nós da comunidade é interessante estar aqui para ser bem tratado independente da sua sexualidade. Não bastam as praias maravilhosas e a temperatura agradável o ano todo, aqui também experienciamos estar numa sociedade aberta e livre que não te descrimina por ser quem você é” , sinaliza.

Vai lá!

Foto: Secom/BA

Foto: Secom/BA

Sobre Boipeba
A vila de Boipeba, fundada no século XVI, está localizada no município de Cairu e é um dos um dos destinos turísticos mais paradisíacos da Bahia. Em 2013, foi escolhida pelos internautas no Traveller’s Choice 2013/TripAdvisor, como a segunda ilha mais bonita da América do Sul, atrás apenas da ilha de Páscoa, no Chile. O seu nome deriva da língua tupi, com o significado de “cobra chata”, denominação indígena para a tartaruga marinha. A ilha possui várias praias: Boca da Barra, Tassimirim, Cueira, Moreré, Bainema, Cova da Onça e Ponta dos Castelhanos.

Como chegar
A ilha de Boipeba está localizada a cerca de 45 minutos de barco da cidade de Valença, que fica a 300 km de Salvador, onde está aeroporto mais próximo. A partir de Salvador, a opção mais rápida é pegar o ferry boat no Terminal Marítimo de São Joaquim até a Ilha de Itaparica e, de lá, seguir de ônibus até Valença. O trajeto completo de Salvador a Boipeba, considerando ferry boat, ônibus e barco, dura entre 4 e 6 horas.

Veja lista de comerciantes que estão apoiando a causa LGBTQIA+ na Ilha de Boipeba:

Pousadas

Sossego

Paraíso

Quinta do Caju

Pousada Paraíso

Cavallitos D’Amar

Alma Viva

Pousada Horizonte Azul

Abaquar

Janaína

Casa Namoa

Espaço Mangue

Bares e Restaurantes:

Casinha Latina

Bar das Meninas

Bar do Rodrigo

Creperia Namoa

Zumbi dos Palmares

Jorge Som

Varanda
Ponto da Barra
Casa da Pracinha
Família
Rainha do Mar

Sonize

Show Pizza

Terra Brasilis

Analia

Panela de Barra

Mercados

Supermar

Ana Clara

Primus

Farmácias:

Posto de Medicamento

Meirelles

Agência
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