Perla Ribeiro: “Adoro bater perna na feira de São Joaquim”

Não estranhe um grito de vibração em meio a rotina, por vezes tensa, da redação do jornal CORREIO. A editora de Cidade, Perla Ribeiro, 35 anos, é daquelas que se empolgam até com releases, como os colegas costumam brincar. Baiana, nasceu em Feira de Santana, mas foi em Iaçu, a 280 km de Salvador, onde passou a infância. Perla veio para a capital com 14 anos, e por pouco não se tornou advogada. Ela foi desencorajada por uma amiga a prestar vestibular para jornalismo, por se tratar de uma profissão que, segundo esta, iria torna-la uma “manipulada”. Mas a vontade antiga de trabalhar em jornal não se aquietou e a fez ingressar no curso de Jornalismo da FIB (Faculdades Integradas da Bahia). Ela entrou na redação ainda enquanto estudante, como estagiária. De lá pra cá nunca mais abandonou o impresso. No CORREIO, além da editoria de Cidade, já passou por Economia e pela Coluna VIP. Apaixonada por Salvador, Perla afirma não trocar a capital baiana por nenhuma outra e aproveita seus momentos livres praticando esporte. Atualmente joga futebol em um time de boleiras jornalistas e já praticou boxe e muay thai. Mais sobre ela, você descobre em 11 perguntas, uma das entrevistas da série produzida pela 11ª turma do Correio de Futuro, que se propõe a conhecer melhor os profissionais do Jornal CORREIO.

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Correio de Futuro: Quais imagens vem à mente ao ouvir a palavra infância?

Perla Ribeiro: Peraltice. Eu aprontava muito. A sensação que eu tive quando cheguei em Salvador é que eu iria ficar confinada em um apartamento pequeno, enquanto que no interior a rua era a extensão da minha casa. Eu abria a porta e já estava na rua. Era uma menina solta que andava a cidade inteira. Lá tem um rio, então a gente tomava banho escondido com os amigos, subíamos em árvore, brincávamos na praça… todo mundo conhecia todo mundo. Como a cidade é pequena, na minha vizinhança era quase todo mundo parente. Outra coisa que eu adorava fazer era ir para feira e essa foi uma coisa que eu trouxe comigo do interior. Aqui adoro bater perna na feira de São Joaquim.

Como é sua relação com as questões espirituais? Você acredita em um deus?

Na minha casa, isso sempre foi uma coisa muito livre. Eu tinha um bisavô que era da Igreja Presbiteriana, uma tia que era da Igreja Batista, minha avó católica e a família de minha melhor amiga era do Candomblé. Então eu tive a oportunidade de passear por todas essas religiões e ouvir de minha mãe: “eu quero que você escolha aonde você quer ir, mas quero que você tenha Deus na sua vida. Onde você vai encontrá-lo é uma questão sua. Quem vai escolher é você.” Então tinha final de semana que eu ia na Batista. No seguinte, eu ia no catecismo. Depois ia no terreiro… e também sempre flertei com o Espiritismo porque eu achava que era a religião que mais explicava as coisas e que responde a muitas questões minhas. Hoje eu frequento um centro espírita.

E em alma gêmea? Você acha que existem pessoas feitas uma para a outra?

Eu acredito em afinidade, em encontro de almas, mas não em almas gêmeas. Existem pessoas que eu tenho certeza de que já estive com elas em outras vidas, pois estar com elas me faz bem e que há uma afinidade logo “de cara”. Algumas pessoas não te fazem nada e logo no primeiro contato você tem uma repulsa, seu santo não bate de jeito nenhum e outras que você logo percebe o quanto é legal e que vai ser sua amiga.

Se eu tivesse um jornal, iria proibir cobrir enterros. Porque é a situação mais delicada que um repórter vive

Como você era no período da faculdade?

Eu tive contato com redação de jornal logo no terceiro semestre. Foi minha maior escola. Eu saia de casa às oito da manhã, pegava duas pautas, ralava muito. Na faculdade, eu fui aquela aluna que conseguia nota para passar, porque eu me jogava muito no trabalho e não tinha tempo para me dedicar para os textos. E eu acho que o estágio me deu uma bagagem muito maior. Claro que a faculdade foi fundamental para me mostrar a teoria, mas eu me formei no meu estágio, até porque minha chefe de reportagem, Mara Campos, também era professora e foi uma peça fundamental para mim, para eu ver o jornalismo como eu vejo. Ela me fez ter paixão pela notícia. Só aqui, na redação do CORREIO, eu tenho 13 anos e até hoje eu tenho o mesmo entusiasmo. Os colegas aqui fazem até piada… “Perla, se você vibra assim até com release, imagine se você descobrir que ganhou na Mega-Sena” (risos). Porque eu surto, eu grito, eu fico louca, escandalosa, e as pessoas às vezes se assustam. E esse jeito de ver a notícia eu herdei dela. A empolgação eu também peguei, aqui no Correio, da editora Linda Bezerra.

Se você não precisasse trabalhar mais, em qual atividade você gostaria de dedicar seu tempo?

Eu queria ser chefe de cozinha! Eu adoro cozinhar, ir para supermercado, comprar comida e depois ir para casa, preparar a comida, convidar os amigos e jogar conversa fora.

E o que você mais gosta de cozinhar?

Como diz Linda (Linda Bezerra, editora-executiva do CORREIO) e dizia nosso antigo chefe Sérgio Costa (ex-diretor de redação, falecido em março de 2016) , eu sou classe C e amo camarão. Eu adoro fazer risoto, moqueca… E recentemente eu me propus a dois desafios: tinha duas coisas que eu gosto muito, mas como minha mãe faz muito bem, eu nunca tinha feito na vida. Consegui fazer feijoada e comida baiana! Foi agora em setembro. Minha mãe não estava aqui em Salvador e eu aproveitei para fazer um caruru. A feijoada eu já tinha feito antes.

Se seu próximo emprego fosse como assessora do presidente Michel Temer, o que você diria para ele?

Presidente, fale menos besteira, por favor! Cuidado com o que você fala e com as repercussões que vão ocorrer. Vamos fazer um media training pesadíssimo com você e seus ministros, para evitar situações de crise e depois não ter que gerir essas crises. Iria dizer para ele ter cuidado com os discursos e fazer ele pensar em como as mensagens estão sendo interpretadas.

Se você fosse dona de um jornal, como ele seria? 

Quando eu era repórter, dizia que, se eu tivesse um jornal, iria proibir cobrir enterros. Porque é a situação mais delicada que um repórter vive: estar ali, em meio a dor do outro, querendo colher informações. Existe uma família que quer respeito e você está lá como repórter. Tem o compromisso de informar o leitor, conseguir cavar uma história enquanto tem gente chorando. Mas não sei se isso seria possível e se eu, enquanto dona do jornal, vendo a necessidade de reportar os fatos, iria de fato empregar isso. Acho péssimo, mas talvez seja um mal necessário. Então, pelo menos, eu iria repensar a relevância que isso tem para o jornal e tentar humanizar mais esses casos. Meu jornal também seria um veículo para contar histórias. Tem muita coisa que tá aí, personagens anônimos pela cidade, histórias maravilhosas. Eu iria querer uma equipe que tivesse um bom faro para que os repórteres não precisassem ser pautados, mas que eles saíssem e voltassem com uma boa história. Eu acho que não existe nada melhor do que você sair e escrever sobre o que você gosta. Mas eu não sei até que ponto isso é o mundo real e o mundo imaginário (risos).

Não trocaria Salvador por nenhuma outra cidade

Em sua vida de repórter qual foi a entrevista mais significativa?

Eu tenho que pensar. Eu lembro de uma história bem recente e que às vezes não vai para a página do jornal, mas enquanto jornalista você se sente grato pelo que conseguiu. Tenho uma fonte que uma vez ligou aqui para o jornal, sugerindo uma pauta. Trocamos contato. Recentemente, ele me mandou um texto com a foto de uma senhora idosa no leito do hospital onde ele trabalha aqui em Salvador. A mulher estava hospitalizada, prestes a fazer uma cirurgia. Ela veio do interior e perdeu o contato com a família. Morava em Salvador há muito tempo, no bairro da Saúde, e hoje quem cuidava dela eram os vizinhos. Ela queria muito rever a família. Essa fonte citava alguns nomes de pessoas ligadas a ela e, curiosamente, disse que era da cidade de Mundo Novo (interior da Bahia). Aqui na redação, temos um colega (Wladmir Lima, editor do Correio24h) que é de lá. Então eu passei para Wladmir, que falou com a mãe dele. A mãe dele conhecia uma das pessoas que foram citadas e ligou para essa pessoa lá de Mundo Novo. Descobrimos que essa pessoa tentava encontrar essa senhora. Ela disse… “era uma das melhores amigas da minha mãe, e quando ela morreu me pediu para que não deixasse ela desamparada”. Então essa família se reencontrou. Esse caso me marcou muito.

Outra coisa que me marcou não foi exatamente uma entrevista, mas uma imagem. Que foi a vinda de Lula depois de eleito pela primeira vez. Eu passei a manhã inteira no aeroporto e presenciei a comoção das pessoas. Teve um homem que levou uma carta quilométrica para Lula. Salvador foi a cidade em que ele teve a votação mais expressiva. Isso foi bem bacana, porque existia todo aquele mito de Lula, um sindicalista que foi eleito presidente.

Outra história que marcou bastante minha vida foi quando eu fui fazer matéria sobre caatinga e passei uma semana viajando e tendo contato com realidades bem duras. Fomos numa casa, em uma zona rural, eu não lembro se em Xorroxó ou Macureré. Era na região norte do estado, bem crítica de seca, e eu ouvi uma senhora dizer assim… “Meu filho foi na feira, eu dei 10 reais para ele comprar 2 quilos de feijão e é o que eu tenho para passar a semana. Eu não sei quando acabar esse feijão o que vai ser da gente”. E tinha uma criança ao lado dela que comia os restos de um creme dental. Foi uma realidade bem dura e eu sai dali tocada. Prometi para mim que eu não reclamaria de nada em minha vida pelos próximos anos, porque você está no melhor dos mundos e não percebe como é o outro lado, muito mais gritante e muito mais duro.

Perla integra um time de jornalistas boleiras que treina toda semana.

Perla integra um time de jornalistas boleiras que treina toda semana.

Como é sua relação hoje com Salvador?

Eu adoro Salvador. É a cidade que, por acaso,  vim morar. Contrariando toda a normalidade, enquanto muitos adolescentes gostariam de sair da casa dos pais para vir morar na cidade grande, eu fui muito resistente a isso. Meu pai que me empurrou. Ele disse: “você vai, querendo ou não querendo”. Eu ainda tinha um elo com Iaçu, eu ia de 15 em 15 dias em minha cidade. Hoje eu sou uma filha desnaturada. Tem oito anos que eu não vou lá porque trabalho muito e quando tenho folga quero ir para um lugar que eu não conheço. Mas se eu tivesse que escolher, não trocaria Salvador por nenhuma outra cidade. Eu gosto dessa diversidade, desse lado místico da cidade, desse marzão… somos rodeados pelo mar, dos personagens, dessa malemolência do baiano, do gingado, do dendê, do acarajé… (risos). Eu acho surpreendente que a cada dia eu tenho novos olhares sobre a cidade. Lugares onde eu passo todos os dias, encontro uma coisa nova. Vejo o que está ali de outra forma, reenxergo essa cidade que se reinventa o tempo inteiro. Salvador mantém o que tem de antigo ao mesmo tempo que cria novas nuances.

Se você tivesse que deixar um recado para o mundo no futuro, que recado seria este?

(Pausa) Mais amor, mais respeito, mais tolerância sempre. Eu fico muito preocupada como as coisas estão, como o mundo está se transformando. Comparo como a sociedade era quando eu tinha 15 anos e como é hoje. Eu quero ter filho, adoro criança, e tenho medo do mundo que ele vai encontrar. As pessoas eram mais tolerantes, hoje elas estão passando por cima de tudo. Antes havia uma preocupação com o outro, mas atualmente as pessoas estão muito egoístas. Tudo tem evoluído, a tecnologia tem avançado, as possibilidades que esse novo mundo tem assegurado faz tudo ficar perfeito. Então se houvesse mais amor, tolerância e respeito estaria tudo lindo. Eu queria viver no passado com todas as possibilidades que esse novo mundo me possibilita. Quando você vê coisas como atentados, guerras, acontecendo cada vez mais próximo… eu não queria viver nesse mundo. Eu queria um mundo de mais paz e amor.