Mestre em Historia e professor da Uneb, Rodrigo Lopes escreveu um artigo falando sobre a música Banzeiro gravada por Daniela Mercury que é uma das fortes candidatas a se destacar no Carnaval que se aproxima. Vale a pena a leitura:
“Daniela Mercury some, volta, vira e mexe, mas uma coisa há que se dizer sobre ela, não dá pra ser indiferente à sua inquietação artística. Ela movimenta apaixonados fãs que acompanham sua carreira desde o início de sua explosão nacional, nos idos anos 1990, e que hoje, jovens senhorxs entre os quais me incluo, amadureceram também seu jeito de olhar para ela.
Neste apagar das luzes de 2017, Daniela volta à carga com um trabalho novo e inusitado, que nos pegou a todos de surpresa em mais um sacada avant garde, com canções disponibilizadas nas plataformas digitais.
A primeira, e de que mais se fala é Banzeiro, que dentro de uma sonoridade um pouco estranha, nos pega no refrão repetitivo que me fez – sem gostar muito na largada – me pegar cantarolando mentalmente o dia inteiro na primeira vez que ouvi (e me fez buscar a ótima Dona Onete, autora da letra, vale à pena conhecê-la).
Pensei “vai pegar no carnaval esse negócio aê”! A ideia do banzeiro – a forte onda que joga os barcos dos rios amazônicos de um lado pra outro – presente na letra, será metáfora do que certamente veremos nas ruas, atrás de Daniela, neste verão.
Acompanhei sem muita curiosidade alguns fãs opinarem sobre Banzeiro, e li coisas como “o carnaval das antigas está de volta”, “uma revolução musical”, blá blá blá, mas VAMOS SER MENAS, como diz o jargão das redes sociais. Não vi a música como essa revolução, é original e vai dar certo nos shows, no trio, na rua. Mas o que me ganhou foi O CLIPE!
Putz, que maravilha ver um clipe tão interessante e cheio de referências de baianidade e street dance como o de Banzeiro, lançado hoje no youtube da cantora. Fiquei de cara, as cores me pareceram remeter a um circo, as locações clássicas transbordando junto ao figurino, a performance almodovariana dos artistas figurantes, com menção honrosa à Cia Baiana de Patifaria, um luxo! E fazendo um à parte, ver um clipe bem produzido e utilizado como divulgação nestes tempos, tem me feito pensar como as novas formas de acesso á informação mudaram a cultura pop, até Madonna tem feito coisa de dar sono; ainda passam clipes na MTV? Ainda existe MTV?
Mas tergiversei! Daniela Mercury pode ser tudo, menos amadora na estratégia de mostrar a sua arte. A forma como Banzeiro seria apresentada foi pensada, orquestrada, musica na web, dança na rua, clipe. Quem não entendeu a escolha de uma aparição surpresa há duas semanas na Barra, saindo do meio do povo e dançando com os bailarinos no chão, entendeu hoje com o lançamento do vídeo!
Nele, há a musica e a dança de Daniela, com referências clássica e pop, os bailarinos, crianças, drag queens, homens e mulheres heteros e gays, todo mundo junto e misturado pra dar um tapa na cara necessário, nessa sociedade reacionária que voltou a dar as caras. É discurso político e musica de carnaval, é divertido como a arte também se propõe a ser, quando transgride valores e estéticas que os ignorantes-do-purismo-puritanismo, vão ter um trabalhão para digerir.
Enquanto isso, a gente que só quer que cada um seja livre para viver segundo o que lhe convém, adorou e sai de frente da tela cantando junto “banzeiro, banzeiro, banzeiro, banzeiro…”.
Rodrigo Lopes é Mestre em Historia e professor da Uneb.