Para quem não leu ai está a entrevista feita por Daniel Silveira para o iBahia
Osmar Martins é o jornalista que mais tem a cara do Axé na imprensa baiana e do Brasil inteiro. Trabalhando nas redações desde o início dos anos 1980, ele é mais conhecido pelo apelido de Marrom, presente da própria Alcione. Testemunha ocular de toda a mudança que a música baiana sofreu nos últimos 30 anos, com o estouro do Axé Music, ele contou para o iBahia histórias do nascimento do gênero, que mudou completamente a cara do Verão da Bahia, transformou o consumo de música no país e invadiu outras partes do mundo.
Nas três últimas décadas, o Axé caiu nas graças do público, vendeu muitos discos e fez o nome de diversos artistas. Hoje se encontra em uma crise de criação, que os mais pessimistas insistem em chamar de morte. No entanto, Marrom refuta: “Essa história de que o axé morreu é balela”. Confira abaixo a entrevista completa.
Em 30 anos de Axé, o que a música baiana ganhou?
Ganhou muito, porque, antigamente, grandes artistas, como Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa, Gilberto Gil, Raul Seixas, tinham que morar no Rio ou São Paulo para poder acontecer. Com o Axé, pela primeira vez, um artista baiano, morando em Salvador, gravou um disco aqui e vendeu cem mil cópias, uma coisa inimaginável, na época. Foi em 1985, quando Luiz Caldas lança o disco ‘Magia’, que tem ‘Fricote’, a coisa tomou outra dimensão. E a partir daí o Axé foi uma cena que não parou de crescer e trouxe toda uma geração pós Luiz Caldas e até mesmo da época dele: já tinha o Chiclete (ainda sem Bell), Gerônimo, Virgílio, que era uma galera que fazia baile e o até mesmo, Carlinhos Brown.
Qual a principal transformação que o Axé permitiu à música baiana?
Com essa explosão criou-se um mercado que não tinha, e que se profissionalizou. A profissionalização, de verdade, acontece quando Daniela explode. Primeiro ela faz sucesso com ‘Swing da Cor’ e, depois, no Brasil inteiro, com o ‘Canto da Cidade’. Daí o Axé viveu um auge, de mais ou menos 10 anos até o início dos anos 2000. Foi uma explosão de artistas muito talentosos. O terceiro momento já é Ivete Sangalo, que veio com esse negócio da diva. Mas tem muita gente. Não esquecer que antes já tinha Sarajane, a primeira grande artista feminina, quem mais fez Chacrinha (o programa de auditório) e participou muito do Fantástico.
Artistas subindo, artistas descendo…
Dessa geração toda, o Chiclete foi o único que conseguiu se manter. O Chiclete veio de uma banda de baile. Já existia antes da explosão do Axé, já tinha disco gravado e quando teve a profissionalização, eles conseguiram passar. Muita gente ficou para trás, mesmo sendo muito boa.
Qual era sua relação com o gênero na época?
Eu estava começando no jornalismo também e percebi que tinha alguma coisa acontecendo. Por isso que eu conheço todo mundo, porque eu vi todo mundo começar. Nessa época, eu estava vendo o Carnaval na TV, vi Virgílio cantando ‘Neguinha Borocochô’ e ‘Yayá Maravilha’ e escrevi sobre ele. No dia seguinte, ele foi lá no jornal me agradecer e pedir para eu ser empresário dele. Trabalhei com ele durante dois anos. Percebi que aquilo ia dar em alguma coisa e fui entrando aos poucos, quando me dei conta estava lá, de corpo e alma dentro do axé.
O Axé mudou a cara da Bahia e do Brasil, também, né?
Com a profissionalização do Axé, surge a imagem do produtor. Hoje nós temos grandes produtores e empresários de entretenimento, que em muitos lugares do Brasil não tem como aqui na Bahia. Tem um lance muito curioso: naquela época só existia o Carnaval de Salvador e a Micareta de Feira. A Micareta de Feira era uma grande vitrine depois de Salvador. Só que a coisa foi crescendo e tomou o Brasil inteiro: Carnatal, Fortal, Precaju, Recifolia. O país inteiro começou a fazer Carnaval fora de época. A música deixou de ser sazonal.
Mas também recebeu muitas críticas…
O axé começou a ter um comportamento predador. As pessoas dizem que o axé acabou com tudo, mas na verdade, ele só se profissionalizou. O pessoal do axé foi muito inteligente, são muito capazes e procuraram um nicho para sobreviver. Apesar de não estar em seu melhor momento, está passando por uma fase de transformação, mas é uma indústria fabulosa. Ao axé podem ser feitas muitas críticas, mas não podemos tirar a sua importância, tanto social quanto economicamente.
Nesses 30 anos, quais as músicas mais marcantes?
Tem músicas que nunca vão ser esquecidas como ‘Prefixo de Verão’; ‘Baianidade Nagô’; ‘Canto da Cidade’; ‘Faraó’; ‘Protesto do Olodum’, aquela que Gal gravou; ‘Ladeira do Pelô’; ‘Requebra’; ‘Rosa’; ‘Mila’; ‘Tema do Cheiro de Amor’; ‘Rebentão’; ‘Auê’; ‘Eu sou Negão’; ‘É D’Oxum’; ‘Chame Gente’, muito mais…
Os blocos afro e o Axé têm uma relação bastante próxima, é isso mesmo?
Os artistas do início beberam muito dos blocos afro. Mas eles parecem não ter acompanhado a indústria. Acho que eles merecem mais destaque, porque são a fonte onde os músicos bebem. São a matriz, né? Eu acho que as pessoas do axé estão dando bobeira e que deviam frequentar mais ensaios de blocos afro, porque sai muita música boa. Mas tomara que o Afródromo melhore a visibilidade deles.
O gênero também acabou ganhando visibilidade internacional nesses anos, não foi?
Sim, o Brazilian Day ajudou muito nisso, ao levar músicos baianos. Tem outro fator também, as lavagens, que se multiplicaram na Europa. A lavagem de Paris foi a primeira. Para você ter uma ideia, o Festival de Montreux, na Suíça, chegou a ter a noite baiana no festival, nos anos 1990, durante o auge do axé. Eu cheguei a ver um encontro entre Timbalada e Nação Zumbi, com Chico Science. O festival abriu muito mercado para os artistas baianos, como Daniela Mercury, Ivete Sangalo e Margareth Menezes.
Pela suas falas, os nomes femininos parecem bem marcantes na história do Axé, é verdade?
Sim, o Axé é um matriarcado. Tem muito mais mulheres estrelas: Sarajane, Laurinha, Simone Moreno, Daniela, Ivete, Carla Cristina, Claudia Leitte, Marcia Freire, Marcia Short, Aline Rosa, Emanuele Araújo, uma infinidade de mulheres.
Confira Ladeira do Pelô, sucesso da Banda Mel, uma das músicas do início do Axé Music:
E existe, de fato uma crise no gênero?
Existe uma crise de criação. Falta um cara como Manolo Pousada, que foi uma pessoa muito importante para a divulgação das músicas. Ele ia nos ensaios dos blocos afro com um gravador e colhia os áudios das músicas. Hoje em dia ainda tem muita gente fazendo. De vez em quando sai um lampejo. ‘Lepo Lepo’, ‘Festa’, ‘Vem Meu Amor’. Depois do sucesso do Axé, também veio a ascensão do pagode, com o Gera Samba, que virou É O Tchan, Terra Samba, Harmonia do Samba, e Márcio Victor. Agora veio essa coisa do Arrocha, da sofrência, com Pablo.
E essa abertura descaracteriza o Axé enquanto gênero?
Não. A cena aqui é bem clara, a gente sabe o que é arrocha, pagode, Axé.
Então o Axé ainda tem força?
Enquanto tiver gente jovem querendo pular Carnaval vai ter, mas vai ter que se adaptar. O Carnaval não pode ser igual ao Carnaval de antigamente, tem que se reinventar. O Axé não pode ser aquele dos anos 1990, outros já chegaram e aprenderam. A queda vem do próprio mercado que saturou e eles não quiseram se adaptar. Os sertanejos, por exemplo, criaram o Villa Mix… Mas essa história de que o axé morreu e acabou é balela. Não vai morrer nunca. Vai se reciclando. Como o Carnaval, um dia Bell vai parar, Daniela e Ivete também, mas está chegando uma galera nova aí.
Você tem alguma aposta para nossos artistas no futuro?
Saulo já é realidade dessa nova turma. Márcio Victor, Tomate, Levi Lima, Felipe Pezzoni… Mas esses aí são novos, eles tem que comer muita poeira ainda.
E quanto aos nomes já famosos, algum que será para sempre lembrado?
Grandes nomes que serão eternos, como Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, Margareth Menezes, o Olodum…
Para finalizar, há uma semana para o Carnaval, você tem uma aposta para a música que vai ser a marca do verão?
Este ano não tem uma safra muito boa não, mas gosto muito de ‘Matimba/Cartório’ e, talvez ‘Xhenenhém’, porque Marcio Victor trabalha bem a música. Acho que fica entre Márcio e Claudia. A não ser que o Carnaval tome uma de “sofrência” e Pablo leve essa (rs).
Confira ‘Matimba’ e ‘Cartório’, as apostas de Claudia Leitte para esse verão: