Baiana, preta e do Engenho Velho de Brotas: conheça Priscila Santana, que está agitando a cena cultural em Nova Iorque – Blog do Marrom

Baiana, preta e do Engenho Velho de Brotas: conheça Priscila Santana, que está agitando a cena cultural em Nova Iorque

Baiana, preta e do Engenho Velho de Brotas: conheça Priscila Santana, que está agitando a cena cultural em Nova Iorque

A baiana Priscila Santana é maestrina, educadora e se define como ‘uma orgulhosa mãe, negra, sonhadora, uma eterna aprendiz do Engenho Velho de Brotas, orgulhosa de minhas raízes, mas com um pé no mundo’. Nos últimos tempos, ela  está se destacando como peça-chave na cena musical mundial.  A bagagem rica de influências culturais e a paixão pela música são ferramentas para impulsionar mudanças sociais.

Para que os próprios baianos conheçam, afinal, quem é essa mulher guerreira, o Baú do Marrom conversou com Priscila diretamente de Nova Iorque, onde ela mora desde 2019. De mansinho, ela foi chegando na Big Apple – ou na ‘cidade que nunca dorme’ – e foi, com seu jeitinho baiano, fazendo e acontecendo.

Empoderada e à frente do renomado SummerStage Festival – um dos maiores do país – ela tem um comprometimento com 50% de mulheres na programação e, no geral, mais de 80% de artistas que são considerados não brancos. Fala, baiana!

BAÚ DO MARROM – Há quantos tempo você está morando nos Estados Unidos e como foi sua chegada para começar uma nova etapa de sua vida em outro pais?

PRISCILA SANTANA: Eu me mudei para os Estados Unidos em 2019, ou seja, no início da pandemia. Então, embora tenham se passado cinco anos desde que me mudei, sinto que foi menos tempo devido aos quase dois anos de pandemia no meio, o que alterou completamente a rotina.

No início, foi bastante difícil a adaptação, embora eu já tivesse chegado com toda a papelada necessária para iniciar a vida profissional aqui. Mudar-se para cá é quase como começar do zero, pois suas referências, experiências e contatos profissionais não têm o mesmo peso ou valor que no Brasil. Eu era diretora e vivia viajando pelo Brasil, e mudei para uma posição infinitamente mais simples. Além disso, mudei com um nível de inglês ainda básico, o que representou outro grande desafio. Construir essa nova rede de trabalho e aprofundar meu inglês foram meus principais desafios e focos.

BM – Qual foi seu primeiro trabalho em Nova Iorque e como foi o resultado?

PS – Meu primeiro trabalho aqui foi tocando e dando aulas de música em um projeto social de música clássica no Bronx. Logo depois, fui contratada para ser coordenadora de uma escola renomada e especializada em música para jovens na área do Lincoln Center, chamada Special Music School. Trabalhei lá por três anos e é onde minha filha estuda atualmente. Foi uma experiência importante e desafiadora para mim, pois me familiarizei com o cenário da educação musical em Nova Iorque. Prefiro mencionar Nova Iorque especificamente, em vez dos Estados Unidos, pois a cidade tem uma dinâmica cultural e social completamente distinta de outras cidades e estados do país.

BM – Por ser estrangeira – especialmente baiana, brasileira e preta – quais as dificuldades encontradas?

PS – O machismo e, principalmente, o racismo são elementos impregnados na cultura americana, mesmo para as pessoas que nasceram aqui, e não seria diferente para mim, especialmente como imigrante não fluente em inglês. Aqui existe um grande movimento de luta que reforça o orgulho de ser uma pessoa negra, e somado a uma economia mais forte, oferece um pouco mais de possibilidades de ascensão econômica do que no Brasil. No entanto, isso não elimina a realidade de viver em uma sociedade profundamente desigual como é a cidade de Nova Iorque, onde os mais pobres e aqueles com problemas de saúde mental são predominantemente da população negra e latina. Portanto, todos os preconceitos em relação à pessoa negra que existem em uma sociedade tão desigual e racialmente dividida também estão presentes aqui, e eu os sinto e presencio. Por ser Nova Iorque, as pessoas estão muito acostumadas com diferentes sotaques, já que pessoas do mundo todo vêm morar aqui e falam com os sotaques de suas línguas nativas. No entanto, levei um tempo até me sentir confortável com minha pronúncia em inglês. Como uma mulher negra oriunda das periferias, tive um grande processo de trabalho interno para encontrar minha voz e ter meu lugar de fala respeitado e validado. Portanto, suprimir a potência da minha habilidade de expressão vocal foi um grande desafio, mas continuo a reconstruí-la nesse contexto.

BM – Qual a importância de assumir o papel de curadora e gestora de programação do renomado SummerStage Festival?

PS – Estou imensamente grata por esta oportunidade. Graças à construção dessa nova rede de contatos aqui, através de outra brasileira que desempenhava esse papel antes de mim, a querida Paula Abreu, consegui esta posição. O processo de seleção foi longo e meticuloso e não está relacionado apenas à curadoria exclusiva do Brasil. Por ser um festival em Nova Iorque, a prioridade é ter talentos tão diversos quanto a cidade, então temos shows de todo o mundo e apenas um ou dois do Brasil, entre os 80 shows que apresentamos ao longo do verão. Ser uma mulher afro-latina traz algumas perspectivas únicas à programação e reforça nosso compromisso com a diversidade da cidade.

BM – Que os critérios que você usou para fazer a programação do SummeerStageFestival?

PS – Para a programação do SummerStage, existem vários critérios, mas diria que um dos mais importantes é a relevância e o impacto cultural do talento para o público que queremos atingir, seja de um país específico ou de um gênero musical. Portanto, ao realizarmos um show do Brasil, temos o nosso artista principal, que atrairá as 5 mil pessoas que é a capacidade do nosso palco, e este ano será a Alcione. Além disso, fazemos a curadoria de mais um ou dois shows de artistas que estão se destacando ou já estão consolidados. Neste ano, teremos Larissa Luz e a exibição de um filme em parceria com o Festival de Filme da Inffinito. Também contamos com muitos parceiros especializados em determinados estilos ou regiões, que fazem uma co-curadoria conosco, já que apresentamos shows de todos os estilos musicais, incluindo ópera, reggae, jazz, hip hop e R&B, de qualquer nacionalidade.

BM – Que outros eventos você organizou no Brasil e nos EUA?

PS – Nos Estados Unidos, organizei alguns eventos focados na cultura afro-brasileira na Columbia University, onde também sou aluna. No Brasil, atuei como curadora do Teatro Municipal de São Paulo, fui jurada do Festival de Música da Paraíba e organizei centenas de concertos, liderando o Prima.