Correio de Futuro: Em alguns textos, o senhor comenta que o Brasil, no imaginário dos imigrantes, é um lugar cheio de oportunidades. O que contribui para que eles tenham essa visão?
Sidney Silva: As visões sobre um país, sejam elas positivas ou negativas, são construções sociais e históricas. Tais visões são veiculadas por grupos econômicos ou governos, com o objetivo de defender seus diferentes interesses. No final do século XIX, por exemplo, o governo brasileiro promoveu uma política migratória que incentivava a vinda de imigrantes europeus, com o objetivo de ampliar a oferta de mão de obra. Porém, visava também promover o “embranquecimento” da população brasileira, considerada muito “escura” ou “mestiça”. A partir da segunda metade do século XX, com o processo de industrialização, o Brasil passa a ser visto pelos seus vizinhos sul-americanos como um país de oportunidades, mas também como um lugar de refúgio político para muitos que fugiam dos regimes ditatoriais do Cone Sul.
Recentemente, com a crise econômica que afetou os países centrais, e com o crescimento da economia brasileira, o país novamente passou a ser visto pelos potenciais imigrantes como uma economia emergente, particularmente, para os profissionais qualificados, sejam eles sul-americanos, africanos e asiáticos. Para além das questões econômicas,
há também a ideia de que no Brasil há uma “tolerância” maior em relação às diferenças culturais e raciais, fato que deve ser tomado com ressalva, pois a discriminação contra determinados grupos de imigrantes, diferenciados social e etnicamente, entre eles, bolivianos, peruanos e agora os haitianos, é um fato recorrente ao longo da história brasileira.
CF: Suas observações apontam para um contexto adverso da imigração no Brasil, marcado tanto pela indocumentação (falta de documentos), quanto pela discriminação racial e social. Ao mesmo tempo, o Brasil vende a ideia de ser um país hospitaleiro, acolhedor e simpático. Por que há esta contradição?
SS: De fato, parece uma contradição, mas desde a chamada “grande imigração” de predominância europeia, a imagem que ficou é aquela de imigrantes brancos, educados, disciplinados para o trabalho e com uma grande predominância de cristãos, dentre esses os católicos, como os portugueses, italianos, espanhóis, poloneses, entre outros. Pensa-se que esta imigração deu certo e que todos os imigrantes foram vitoriosos, o que não é verdade, pois houve uma significativa migração de retorno. Se estes são os pressupostos do “modelo” da imigração de sucesso, aqueles pois houve uma significativa migração de retorno.
Se estes são os pressupostos do “modelo” da imigração de sucesso, aqueles imigrantes que não se enquadram nessa proposta são vistos como os não “desejáveis”, porém, tolerados, já que eles ocupam postos no mercado de trabalho que os nacionais não tem interesse em ocupar.
CF: Quais os motivos da discriminação contra os estrangeiros?
SS: A discriminação em relação a estrangeiros pode ter diferentes razões, seja por questões raciais, culturais, como por exemplo, pela prática de diferentes costumes, como o uso do véu pelas mulheres muçulmanas, ou pelo uso da pollera, por mulheres bolivianas, indicando sua origem indígena. Em São Paulo, já foi constatado um caso de agressão a haitianos no bairro do Glicério, fato que pode estar relacionado à questão racial. Em Navegantes (SC), outro haitiano foi assassinado por um brasileiro, fato ainda não totalmente esclarecido. Enfim, os exemplos se multiplicam. A discriminação é mais visível em momentos de retração econômica, pois o imigrante é visto como uma possível ameaça aos empregos e à tranquilidade urbana. O problema é que ela ganha contornos raciais, atingindo grupos mais vulneráveis socialmente, como africanos, haitianos, bolivianos, peruanos, entre outros.